domingo, 7 de agosto de 2022

1. A Descida

 


Mevial olhava para a grande bola azul abaixo de seus pés e imaginava como seria sua estadia durante o tempo do seu teste. Mais do que isso, embora confiasse que não queria perder sua segunda chance, que não titubearia novamente e seria aprovado no seu teste, ainda sentia-se um tanto apreensivo em pensar que toda sua memória, do tempo vivido na glória celeste, seria apagada de sua mente e teria de viver num mundo hostil, e de tal forma que deveria demonstrar que sua fidelidade era agora firme e não mais hesitante como houvera sido naquela fração de segundo, marcada na eternidade e que havia mudado a história de toda a criação.

Apreensão e confiança estavam ambas bem nítidas na expressão de sua face, numa mistura de sentimentos eternos, que resumiam aquele momento. O início de sua jornada, desligando-se da glória celestial para passar pelo teste da vida na Terra e, tempo durante o qual não mais se lembraria de toda aquela glória provocava nele uma sensação nova, prenúncio do que viveria na Terra, para a qual ele ainda não tinha respostas, nem sabia ao certo como reagir.

A incerteza do que viria era responsável por grande parte desta sensação. Saber que, durante a vida, não se lembraria dos seus milhares de anos vividos na glória celeste parecia muito assustador.

Teria vislumbres. Poderia antever a glória se a buscasse com todas as forças, com toda a vontade, de todo o coração. Mas não veria com a mesma clareza. Só voltaria a ver tudo aquilo novamente, nítido como pode ver agora, após o seu período de vida na terra, a fim de ser testado e provado para poder voltar a gozar da glória de Deus, novamente em sua companhia.

E sabia que ainda haveria a possibilidade de nunca mais voltar ali: se fosse reprovado, seu destino seguiria outros caminhos nem um pouco desejados por Mevial. Daí, o motivo da apreensão junto à confiança.

Mas ele sabia que não poderia mais dar espaço a dúvidas, à hesitação. Isso havia lhe custado caro e precisava eliminar estas possibilidades de sua mente. Precisava agir com a certeza e confiança no Soberano que prometera receber a todos eles de volta, caso fossem aprovados no teste da vida.

Neste momento, quando seus olhos contemplavam o planeta separado para ser testado juntamente com seus companheiros, já pronto para nele descer, voltou seu rosto novamente para a glória celeste e deu uma última olhada para ali. Sorriu, porque era impossível não ser tomado de plena alegria ao contemplar toda essa glória. A simples presença ali, o simples ato de estar ali, a simples visão de tudo aquilo, era suficiente para inundar de plena felicidade, indescritível e transbordante, qualquer ser da criação.

Então voltou-se para seu amigo e companheiro celeste, o anjo Lames, o qual sorriu para ele e disse:

– Tenha uma boa jornada amigo e volte para nós, depois de terminada.

Mevial, prestes a descer, perguntou para seu amigo, não porque não soubesse a resposta, mas apenas para ouvir de alguém a confirmação do que já sabia, pois as regras haviam sido anunciadas claramente.

– Mas então quer dizer que quando eu assumir o corpo humano, vou esquecer de tudo o que eu sei, de tudo o que eu passei aqui, durante todo esse tempo? Não vou me lembrar de nada mesmo? Toda esta glória – e novamente olhou para sua habitação celeste – e nada disso estará na minha memória, Lames?

– Você conhece as regras, Mevial. E já teve a oportunidade de testemunhar o que aconteceu com tantos outros que desceram antes de você.

– Mas e toda sabedoria adquirida aqui, não poderei mesmo usar nada dela?

– Você sabe o que foi decidido, que cada um receberá insights, chamados de inspiração, sobre a sabedoria que temos aqui, para poder colocar em prática na sua nova habitação, na sua nova forma de viver. Mas você poderá ou não dar atenção a esta inspiração ao recebê-la. E, claro, como o corpo humano tem limitações das leis da física, nem tudo será fácil de se colocar em prática. Haverá até momentos que partes desta inspiração você terá de deixar para outros colocarem em prática, em outros momentos.

– Como poderei viver assim? E a orientação do Pai, eu vou poder falar com ele nesta minha nova vida? Ou Ele se fechará para a comunicação conosco?

– O que o Pai mais quer é manter o contato com cada um de vocês. Com certeza não será do mesmo jeito. Nem será face a face. A matéria não suporta a presença da glória. Então a comunicação terá de ser feita pela fé, que você terá de descobrir o que é, para se comunicar com o Soberano e Pai. Bom, para isso, você sabe que, além da inspiração que Ele irá prover para que cada um possa encontrar caminhos a viver na Terra, o Pai garantiu também que você pode iniciar uma comunicação com ele, através do que ele chama de oração. Mas terá de usá-la através da fé, uma vez que não verá a presença do Pai. Terá de crer naquilo que sentir e discernir, pois o enganador e perverso tentará enganar vocês por meio desta mesma comunicação.

Mevial não podia esconder que o que ele mais queria era estender aquele momento, para que não tivesse que deixar a glória celeste em troca da jornada que viveria na Terra, durante sua prova. Ele logo perceberia que a vida, lá na terra, é uma jornada única e na qual teria de provar que poderá voltar a compartilhar desta glória novamente. Sabia que precisaria fazer as escolhas certas. Sem hesitar. Sem dúvidas desta vez.

Seu companheiro Lames, percebendo este momento reflexivo de Mevial, após algum tempo em silêncio, resolveu falar pra tranquilizá-lo:

– Eu estarei sempre por perto, pra te ajudar.

– Mas eu não verei você, não saberei da sua existência perto de mim. Nem mesmo saberei o seu nome, para te chamar. Não lembrarei sequer desta nossa conversa.

– Realmente não. Mas sentirá alguém perto de você e saberá que poderá contar com minha ajuda. Não apenas a minha. Poderá contar também com a ajuda direta do Eterno, do Soberano. Ele quer te ouvir. Quer te ajudar a voltar pra viver na eternidade em sua companhia. O importante será você dar atenção às suas orientações. Ele não vai te forçar ou obrigar a obedecê-lo, você sabe. A decisão de seguir as orientações do Soberano é de sua livre escolha. E este é o maior teste.

– Mas não saberei nada disso e desta ajuda disponível.

– De imediato, não! Mas aprenderá com outros sobre isso. E terá de usar a fé, dada aos humanos, para ter a certeza de que pode contar com essa ajuda. O eterno deixou inúmeras demonstrações, pistas e sinais de Sua presença e da ajuda disponibilizada a todos os humanos. Você só vai precisar crer, enquanto estiver na vida, treinar para ver com os olhos celestiais e não os materiais, para ter certeza de que estaremos lá com você. Vai precisar deixar sua natureza celestial falar mais alto que a material para conseguir perceber tudo. Quando você entender que é, antes de tudo, um cidadão do céu, perceberá tudo isso mais facilmente, mesmo com as dificuldades que a matéria vai lhe impor. Precisa treinar conseguir perceber a realidade para além dos sentidos materiais que lhe serão dados como maneira para estabelecer um contato inicial. Mas precisa ir além do que seu corpo, com olhos, ouvidos, tato e outros sentidos perceberão da realidade. Precisa conseguir enxergar a realidade acima desta apresentada pelos sentidos humanos.

– Espero realmente poder contar com sua ajuda, meu amigo.

– Mais do que eu, o Eterno sondará o seu próprio coração e seu íntimo e lhe orientará para que siga o caminho certo. Basta que você não O ignore. Ele deseja, mais do que você mesmo, que voltes a gozar de Sua companhia e a desfrutar das moradas celestiais. Você sabe que Ele não poupa esforços para que todos vocês passem pelo teste. Sua única exigência é que sejam aprovados pela sua própria vontade, pela sua livre escolha em glorificar sua majestade. Por isso é tão importante que sua memória seja totalmente apagada. Terá de fazer a escolha de querer vir para cá de novo sem se lembrar de tudo o que existe, apenas crendo pela fé que é o melhor a se fazer e lutar por isso.

– Mas se enquanto eu vivesse na terra, lembrasse de qualquer porção desta glória celeste, eu tenho certeza que faria tudo para voltar aqui e ser aprovado, ainda que me custasse todos os tesouros e benefícios possíveis da matéria.

– E você sabe que é justamente esse o objetivo do teste. Se, com toda essa glória, ainda houve hesitação, enquanto todos aqui estávamos juntos, o Soberano quer saber se são capazes de desejar essa glória de novo mais do que qualquer benefício que lhes seja entregues na matéria, mesmo sem conseguir ver claramente tudo o que aqui temos à nossa disposição. Você vai precisar crer e desejar isso tudo pela fé. Vai precisar desejar ardentemente e com todas as suas forças voltar para cá.

Mevial abaixou um pouco a cabeça, sabendo que o amigo tinha razão. Ele havia hesitado no momento mais crucial de toda sua existência. E isto agora custava o ter de passar por esse teste, por esse tempo longe da habitação celeste. Ele havia sido criado há algumas centenas de milhares de anos. Mas apenas uma fração de segundo de hesitação em toda essa existência foi suficiente para levá-lo agora a este momento, em que seria submetido ao teste mais difícil pelo qual algum ser criado pelo soberano poderia passar: o viver a vida na matéria e decidir seguir as ordens de Deus, e dar glórias ao eterno, mesmo vivendo na matéria, mesmo sem vê-lo diretamente, mesmo não lembrando de toda glória, para então poder voltar à glória e habitação celestial.

Mevial sabia que o momento havia chegado. Em toda sua existência, mudaria sua essência. Habitaria um corpo de matéria e, mesmo sem a memória de tudo o que conhecia da glória existente no céu, teria de escolher, enquanto vivia na matéria, que desejava ser fiel ao soberano e mostrar com suas atitudes, que fizera a escolha correta para, ao fim de sua jornada neste teste, poder voltar a morar no céu. Forças e esperança lhe eram acrescentadas quando lembrava que o próprio Deus Filho se submeteu a esta experiência e conseguiu passar por ela incólume.

Se falhasse, nunca mais, por toda a eternidade, voltaria a ver e habitar essa glória. Na sua falha, após a vida, lembraria desta glória, mas não mais usufruiria dela! Era assustador. Afinal de contas, com tantas consequências em mente, era compreensível que se demorasse para se lançar em sua nova vida.

Olhou novamente para seu amigo Lames e lhe disse novamente:

– Conto com sua ajuda durante minha jornada, amigo.

– Estarei lá, mesmo que não perceba. Você ainda terá ajuda do eterno e Soberano de uma maneira que não será capaz de entender totalmente, mesmo durante o tempo todo de sua jornada na Terra. E ainda terá ajuda de outros vivendo na mesma condição sua, os quais você também ajudará.

Animado com estas palavras e possibilidades, Mevial deu uma última olhada para as habitações celestes, sussurrando um “até breve” e voltou seu olhar novamente para a terra, lançando-se na matéria preparada para ele.

Não apenas a matéria do planeta, preparada com amor pelo soberano para o teste, a fim de servir de habitação daqueles que seriam provados. Mas também ele tinha um corpo humano, que acabara de ser concebido, esperando pela sua chegada. Sua essência espiritual, habitante do céu há milênios, iria agora se submeter a um corpo em formação, de um bebê no ventre de sua mãe, com todas as limitações que a matéria lhe conferiam.

Aquele corpo, ainda em formação, estava vulnerável e precisava de cuidados de outro humano, a fim de sobreviver nestas fases iniciais. Este outro ser humano, que o gestava, era sua mãe. Junto de seu pai, ambos cuidariam de seus estágios iniciais neste teste, para prepará-lo para suas próprias escolhas.

Enquanto Mevial estava no ventre, durante seu tempo de gestação, seria também o tempo em que sua memória celestial, com todas as recordações de sua habitação no céu, seria apagada para ser zerada e poder começar seu teste.

Sem qualquer memória. Totalmente do zero.

Então ele se jogou de lá da glória. E veio habitar no ventre de sua mãe.

A jornada começara.



Lucas Durigon



Esta é uma obra de ficção. Iniciada a publicação em 07/08/22.

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